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O bom momento e a irritação de Lula

A economia melhorou, também, por medidas adotadas pelo governo. Mas o presidente tem falado demais sobre assuntos diversos. Talvez por falta de foco, ou para desviá-lo de más escolhas que tem feito

Carlos Melo, para Headline Ideias
#POLÍTICA15 de set. de 235 min de leitura
O presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva gesticula durante a celebração do Dia da Amazônia no Palácio do Planalto, em 5 de setembro de 2023. Fotos: Evaristo Sá/AFP
Carlos Melo, para Headline Ideias15 de set. de 235 min de leitura

Por uma variada série de motivos, a economia melhorou: desemprego e inflação estão caindo, o crescimento econômico é maior que o esperado. Existem ciclos econômicos que se encerram e outros que começam. Também medidas do governo tiveram importância. É incontestável que há menos turbulência e incertezas no ambiente. Expectativas de que amanhã será melhor que hoje. Se não há otimismo, há, no mínimo, menos agonia e alguma esperança.

Fernando Haddad tornou-se uma espécie de barra de estabilização do governo: tem surpreendido pela moderação e pragmatismo. É o mínimo de racionalidade que o mercado exige e o máximo de liberalismo que o PT admite – pelo menos parte do PT. Na intenção de zerar o déficit, em 2024, precisará da bagatela de R$ 160 bilhões. Está no seu papel dizer que o fará. Na economia, às vezes as intenções são tão importantes quanto os gestos. O tempo dirá se conseguirá.

No ensaio de reforma ministerial, o centrão, que queria a Saúde e a Casa Civil, ficou com Esportes, Portos e Aeroportos. Claro que seu apetite não se satisfaz com acepipes, mas ficou relativamente barato aprovar o tal "arcabouço fiscal", a primeira rodada da reforma Tributária e o voto de qualidade no CARF. Nova pressão virá, mas até aqui é fato que o leão não comeu o braço do domador. Considerando a índole do leão, é um feito.

Nesse quadro, a popularidade do presidente Lula tende a crescer e, tudo mais constante, o quadro ficará bastante positivo para o governo nos próximos meses.

O problema é que não existe “Ceteris paribus” em política, tampouco na economia. O grande desafio é dar sustentabilidade ao processo. Olhar para um horizonte mais amplo e saber o caminho para o futuro. Mostrar que não se trata de “voo de galinha”, consolidar expectativas. O quadro, no entanto, não é tão simples.

Imposições externas e internas são bastante complexas: o mundo vive um período delicado, de rearrumação e conflitos. Instável, é mais difícil navegar nos mares da política e da economia internacionais: se o Brasil está no ocidente e com ele deveria se identificar, é com a China que comercializa a maior parte do que produz. As posições do Brasil em relação ao xadrez internacional causam estranhamento. Amar a dois senhores é arte para poucos.

Do ponto de vista doméstico, a casa não se sustenta apenas com o aluguel do mês quitado. Liberais radicais não gostam de ouvir, mas há a urgência de um projeto de país, um rumo em direção ao futuro numa era de imprevistos. Um mundo novo bate à porta. Mas, dentro de casa ainda se respira os ares de uma sociedade e uma economia velhas.

Impossível receber o futuro com a mentalidade de antigas categorias que ficaram – ou deveriam ter ficado – no passado. Subsídios à indústria automobilística, naval, concessões ao velho corporativismo, nada disso parece que surtirá efeito.

A vocação do Brasil

Favorecido pela natureza, a vocação do Brasil está no campo. Nas suas florestas, na sua capacidade de produção agrícola e pecuária. Como despertar e desenvolver uma nova e dinâmica indústria a partir daí? Com que recursos investir pesado em mais tecnologia, em infraestrutura?

Na Educação, "a inteligência artificial" requer inteligência de verdade para superar o atoleiro da má formação. Desenvolver ciência e tecnologia, fazer outro tipo de escola, desenvolver o novo trabalhador. Na vida das cidades, como reduzir a insegurança urbana; levar o Estado a territórios que foram patrimonializados pelo crime. Com que sistema político operar isso tudo, já que o Congresso Nacional é o reflexo de partidos programática e intelectualmente falidos?

O presidente Lula tem falado demais sobre assuntos diversos. Talvez por falta de foco, ou justamente para desviá-lo de más escolhas que tem feito. Superficial ou mal "brifado", tem tropeçado na própria língua, não indo além de um presente que, em grande medida, tem se feito por si próprio. São inúmeras mancadas que seriam apenas improdutivas não fossem desgastantes.

O presidente brasileiro gesticula durante o lançamento do projeto “Transição Energética: Combustível para o Futuro”, no Palácio do Planalto, em 14 de setembro de 2023. Foto: Evaristo Sá/AFP
O presidente brasileiro gesticula durante o lançamento do projeto “Transição Energética: Combustível para o Futuro”, no Palácio do Planalto, em 14 de setembro de 2023.

Talvez pelas dores no quadril, com humor alterado, Lula está irritadiço a despeito do bom momento de seu governo. No delicadíssimo palco internacional, tem ouvido pouco a qualificada diplomacia nacional. Cerca-se de amigos e, aparentemente, mostra-se indisposto a ouvir quem lhe traga complexidade para além do tempo do seu governo e do seu próprio tempo. Desafios para o mundo de seus netos e bisnetos.

Ok, é difícil pensar no futuro quando o presente ainda é labiríntico. Diz-se que, no seu tempo, Fernando Henrique Cardoso afirmava que, ao final do dia, tudo o que um presidente deseja é uma dose de uísque e um bom puxa-saco. Ao final do dia. Mas, na manhã seguinte, um copo de leite deve ser servido com sinceros bons conselheiros.

* Carlos Melo, cientista político. Professor Sênior Fellow do Insper

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