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Popularidade, o nome do jogo

O presidente vai investir no que lhe traga apoio rápido e potencialize a popularidade. O céu seria o limite. Mas Lula jamais voltará a patamares de 80% de aprovação. O Brasil é outro

Carlos Melo, para Headline Ideias
#POLÍTICA14 de mar. de 236 min de leitura
Lula faz um discurso durante um evento para comemorar o Dia Internacional da Mulher e anunciar um pacote de medidas para proteger e apoiar as mulheres, no Palácio do Planalto, em Brasília, em 8 de março. Foto: Evaristo Sá/AFP
Carlos Melo, para Headline Ideias14 de mar. de 236 min de leitura

De modo geral, o Poder Legislativo adora Executivos fracos. Seu poder cresce na mesma medida em que diminuem as forças do governo. O Centrão, em particular, tem devoção por casos assim. Há algum tempo, indiquei o que penso ser hino do Centrão. Chama-se “Sem Fantasia”, uma canção de Chico Buarque.  Diz: “...vem meu menino vadio (...) mas vem sem fantasia que da noite pro dia você não vai crescer (...) Vem que eu te quero tolo, vem que eu te quero fraco, vem que eu te quero todo meu”.

Foi assim nos últimos anos. Jair Bolsonaro era um presidente fraco. E tolo. Repleto de deslizes, sujeito ao impeachment, o ex-presidente casou-se de papel passado com o Centrão. Em super comunhão de bens, ofereceu o patrimônio público como dote. O orçamento secreto foi apenas o mais eloquente símbolo do processo. Claro que os tais partidos da base também entregaram o que Bolsonaro pediu: usos e abusos da máquina, sem restrição, no ano eleitoral. As urnas puseram fim ao concubinato.

Sapo não pula por boniteza

O governo do presidente Lula não está, é claro, livre disso. Com efeito, sua vitória eleitoral foi de raspão. No Legislativo, a situação foi ainda pior: para atingir maiorias exigidas para os diversos tipos de lei a aliança com os antigos aliados de Bolsonaro é um imperativo. Mesmo que – formalmente, pelo menos - o Orçamento Secreto tenha sido abolido, a governabilidade depende de (muita) concessão, muitos recuos e mordidas de língua. O sapo não pula por boniteza, mas por necessidade.

Em certa medida, essa lubrificação das engrenagens se dá em vários lugares do mundo: é da natureza da democracia que Executivo e Legislativo precisem negociar. Compartilha-se o poder e em algum grau a participação no governo é inevitável e até desejável. Planos, projetos e visões de mundo são a base da negociação. O xis do problema é que a diferença entre remédio e veneno está na dose.

No Brasil, a dose é cavalar; o lubrificante transformou-se uma espécie de graxa que empapuça a máquina. Há um mal estrutural: com inúmeras diferenças regionais e a quantidade de partidos, dificilmente o presidente eleito – qualquer que seja - fará maioria legislativa nas urnas do primeiro turno ou ficará próximo disso. Também estrutural, como cultura política, é o patrimonialismo atávico. Clientelismo, corporativismo e hiperfisiologismo são mutações de um processo infeccioso antigo. Genético, talvez.

Num passado mais ou menos recente, essa prática ainda convivia com limites e restrições. Imprensa e sociedade se indignavam e a indignação gerava resultados. Conseguia-se impor dificuldades, expor esquemas e interesses pessoais, desautorizar práticas “não republicanas”, digamos assim. A voracidade por recursos se não mais comedida, era, pelo menos, dissimulada, constrangida. Pegos com as mãos na massa, ruborizavam ao menos.

De uns tempos para cá, o império fisiológico se impôs sem estorvos e embaraços. Foi naturalizado, um detalhe da paisagem como se nada pudesse ser feito a respeito. Isso deu amplitude a políticos como Eduardo Cunha e seu discípulo, Arthur Lira. Entre tantos outros, é claro. Atores do tipo são incapazes de uma única palavra sobre projetos mais amplos, sobre o futuro do país, os reais problemas da nação. Eleitos por idênticos pares, governam de si e para si mesmos.

Após toda bobageira de “nova política versus velha política” , aceitou-se que a política no geral é assim. Não é. Mas, o que era sintoma de uma doença de escassez de liderança e projeto tornou-se no seu remédio. Um remédio que no longo prazo debilita e pode matar. E o mais constrangedor é que não mais há nada mais que constranja. Arthur Lira é recebido em festa como estadista, PhD de política. O estadista do Centrão.

A popularidade como antídoto

Nem tudo é tão simples e definitivo assim. Tudo precisa ser compreendido na sua complexidade. O Centrão sempre quererá mais, o governo regateará. Há jogos, quedas-de-braço, batalhas, disputas. É óbvio que, neste momento, Lula não possui capital político para queimar com fogueiras de vaidade. Após eleição apertada, seria desatino enfrentar o Congresso ao mesmo tempo em que se confronta com a economia ruinosa, com a base mais barulhenta do bolsonarismo e com um Estado em frangalhos fiscais. Em 1989, o velho Leonel Brizola se referiu a Lula como “sapo barbudo”. Hoje, é ele quem engole os sapos.

Nada garante que tudo isso não possa ser pelo menos parcialmente superado. A popularidade dos presidentes da República é o elemento mais determinante para alterar rumos dos conflitos. Se vier a cair muito, danou-se, o presidente estará lascado e cada vez mais dependente de Arthur Lira, Davi Alcolumbre e do Centrão. Mas, o oposto disso também é verdadeiro. A melhora na popularidade presidencial sempre servirá como um freio de arrumação no processo.

É por isso que Lula não tenderá a medidas impopulares ou somente as tomará no limite mais agudo das crises. Diante das circunstâncias, a proposta de acomodação encontrada para o preço dos combustíveis é exemplar. O presidente investirá no que lhe traga apoio rápido na sociedade e potencialize a popularidade. Sim, o céu seria o limite. Mas Lula jamais voltará a patamares de 80% de aprovação. O Brasil é outro.

O presidente cumprimenta os participantes antes de chegar ao evento no Palácio do Planalto. Foto: Evaristo Sá/AFP
O presidente cumprimenta os participantes antes de chegar ao evento no Palácio do Planalto. Foto: Evaristo Sá/AFP

No entanto, algo entre 60% e 70% parece ser exequível. Não por acaso, nesse início de mandato, o governo tem distribuído bondades e sancionado um benefício por semana. O enfrentamento contra “ricos” ou o presidente do Banco Central – nesse modelo, o “representante dos ricos” – pode impactar negativamente o mercado e as elites do país. Mas, estabelecem vínculos e cumplicidades com a população de renda entre 0 e 5 salários-mínimos.

Conceitualmente, é exagero chamar de populismo. Pois não se trata de dar “uma volta” nas instituições. O clichê, populismo, não explica tudo. Trata-se de buscar proteção na externalidade do sistema, seja no Brasil ou no exterior.

Assinalam analistas, observadores e curiosos que Lula tem trilhado caminho diverso da virtude de seu primeiro mandato. É fato e é óbvio. As circunstâncias são distintas. A economia, o Congresso, a herança do governo anterior, Lula, o Brasil e o mundo eram outros. A questão mais importante, que faz sentido e define o jogo, é popularidade. Substantivo próprio da política.  Sem ela no mais alto grau, Lula ouvirá a canção “Sem Fantasia” entoada por Lira e seus rapazes, debaixo das janelas do Planalto.

Carlos Melo, cientista político. Professor Sênior Fellow do Insper

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