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Romeu Zema e o “Falso Inteligente”

Mestre da inabilidade política, Zema é especialista do disparate. Semeia polêmica esperando distinção, mas colhe confusão, desalinho e desculpas: "declarações retiradas de contexto", recuo que aprendeu com o mestre dos mestres, Jair Bolsonaro

Carlos Melo, para Headline Ideias
#POLÍTICA10 de ago. de 237 min de leitura
Romeu Zema, fala em frente a um muro com os nomes das vítimas do rompimento da barragem em 25 de janeiro de 2019, durante homenagem no Córrego do Feijão, distrito de Brumadinho, Minas Gerais, em 25 de janeiro de 2020, quando era governador de Minas Gerais. Foto: Douglas Magno/AFP
Carlos Melo, para Headline Ideias10 de ago. de 237 min de leitura

Especulação ociosa buscar segundas intenções nas declarações do governador de Minas Gerais, Romeu Zema. A secessão demandaria cálculos estratégicos, articulação e habilidades especiais que o personagem em questão não possui. Mesmo ao nível dos governadores, a política atual é pobre e sem imaginação. Além disso, nem toda bobagem aparente é dissimulação. Às vezes, é só estultice mesmo.  

Romeu Zema é símbolo da bifurcação para o descaminho que a política brasileira tomou em 2018. Outsider que chegou ao poder na carona da onda bolsonarista, num momento em que a sociedade se ressentia dos maus feitos de políticos profissionais. Havia motivos para a raiva. Mas, menos que uma nulidade, esse tipo de político se mostrou um desserviço para busca de soluções, para o debate e para a inteligência nacionais. 

Mestre da inabilidade política, Zema é especialista do disparate. Semeia polêmica esperando distinção, mas colhe confusão, desalinho e desculpas: “declarações retiradas de contexto”, recuo que aprendeu com o mestre dos mestres, Jair Bolsonaro. 

“Ora, em 2022, foi reeleito no primeiro turno. Não pode ser tão ruim assim...” Apenas meia verdade.

A reeleição foi feita para reeleger. As condições de competição são tão desiguais que até mesmo um sujeito errático como Jair Bolsonaro torna-se competitivo para além do seu nicho pelo simples fato de manipular recursos públicos. Depois, Zema escamoteou do eleitor mineiro sua posição em relação à disputa nacional. Ambíguo, colheu votos entre lulistas e bolsonaristas. Somente no segundo turno é que se revelou.

O que não significa que as declarações devam ser desprezadas. Infelizmente, elas têm representatividade. Não são fato isolado, correspondem a um sentimento coletivo. Parcial, é claro. Mas difuso por regiões e setores do país. 

São fruto de uma mentalidade que se agarra à utopia da “gestão como elemento superior” da administração pública. Não é. A experiência tem demonstrado que política sem gestão é demagogia e desperdício. Mas gestão sem política resulta em tecnocracia, burocracia empoderada e insensível. Vê números sem enxergar pessoas. Só cabe na superficialidade de quem se aconselha com o senso comum. 

A boa política se ampara na gestão, embora não se limite a ela; decide por critérios que se elevam ao simples cálculo econômico ou à racionalidade convencional. Atua em contextos que não raro obrigam a desconsiderar limites estritamente administrativos. Ousa soluções num contexto de conflito. Provoca inovações na gestão. Inovações políticas, por excelência. 

Minas não há mais?

Sofrível ao se comunicar – “o senhor me ouve, governador?”, “’Ouvo’, sim, senhora” –, é senhor de gafes como desconhecer Adélia Prado, a maior poetisa de seu estado, patrimônio de Minas. Zema não é o “gauche na vida”, de que fala o “Poema de Sete Faces”. É um simplório com notoriedade, sem complementos que o distingam. Romeu, sem Julieta. A política gera tipos assim: como se fossem puros, suscitam a esperança de uma “limpeza necessária”, mas acabam no baú do folclore.

Grita que se trate, afinal, do governador de Minas Gerais, orgulho nacional. Terra dos Sertões e das Veredas. De Adélia, Drummond, Rosa, Sabino, Carolina de Jesus; de Ari, do Clube da Esquina, do Pato Fu; do torresmo, a melhor cachaça. Segundo eleitorado do país e seu tipo peculiar de político: silencioso, sábio, sagaz, “o político mineiro”. Capanema, Afonso Arinos, Milton Campos, Benedito, Alkmin, Tancredo. 

“Quer ir à Minas, Minas não há mais” (Drummond). Não há? Pena, talvez, não. Como também não há o mesmo Brasil.

Falso Inteligente

Mas, é erro refutar declarações pela desqualificação pessoal ou pela nostalgia de uma Minas que já não há. No poço profundo, o problema é que Zema expressa o “Falso Inteligente”. Sujeito que se crê um sucesso, moral e intelectualmente superior. O empreendedor relativamente bem-sucedido – por sorte ou berço, inclusive –, sem compreender, no entanto, a dinâmica social em que se envolveu e o fez prosperar.

Por ignorar quase tudo, o “Falso Inteligente”, ignora tudo o que ignora. Ancho, é especialista de qualquer coisa. Na família, o “tiozão do churrasco”; no clube e no bar, a liderança de clichês e preconceitos. Com as redes sociais, aventurou-se ao texto – surplus com o que jamais sonhara. Influencia seus 30 seguidores, que se multiplicam em outros tantos. Bots de carne e osso.

É vaidoso do parco saber e ampla ignorância, despreza conhecimento do futebol à ciência. Da leitura, tem ojeriza; da ponderação, ódio. Por decoro, não diria que o “Falso Inteligente” seria o “verdadeiro burro”. Mas, assim como os muares mobilizam-se por cenouras, a lacração é uma espécie de diploma que ostenta com orgulho – certificado de vitória nas batalhas a que se dedica. Com Donald Trump e Jair Bolsonaro, vive o “iluminismo” às avessas.

Conteúdo (sic) das declarações

O desconhecimento histórico e a ausência de bom senso doem como pedras no rim (três pancadas na madeira...). Sugerir o sul e o sudeste do país como vítimas do federalismo passa do inverossímil. Mesmo a má-fé carece de algum sentido lógico. 

Na história política, há um punhado de exemplos que contrariam o governador: a “Política do Café com Leite”, na primeira República; Rio de Janeiro, Capital do Império e do país, até 1960; Getúlio Vargas (RS), Juscelino Kubitschek (MG), Jânio Quadros (um “paulista” do Mato Grosso), João Goulart (RS), todos os presidentes militares, à exceção de Castelo Branco, são oriundos do Rio Grande do Sul ou do Rio de Janeiro (João Figueiredo).

Na redemocratização e na democracia: Tancredo Neves (MG), Itamar Franco (MG); Fernando Henrique Cardoso, carioca, Luiz Inácio Lula da Silva, pernambucano, ambos radicados em São Paulo; Dilma Rousseff, mineira-gaúcha; Jair Bolsonaro, um coquetel de Vale do Ribeira e Baixada Fluminense servido na Barra da Tijuca. Às exceções são José Sarney (MA) e Fernando Collor de Mello (AL). 

Verdade que, para atenuar o poder econômico e político do sul-sudeste, o federalismo brasileiro deu peso desproporcional no Congresso Nacional às bancadas de cada estado. É uma distorção que pode ser remediada por um sistema distrital. Mas subsídios à indústria, concentração de renda e poder, incentivos à agricultura, existem em fartura em todas as regiões do país.

A desproporcionalidade foi, no entanto, importante ao promover programas de desenvolvimento que buscam mitigar as diferenças regionais. Alguns deles, hoje, são equívocos que podem ser corrigidos pela própria reforma. Mas, na transição entre as regiões sudeste e nordeste, também o semiárido mineiro teve e tem acesso necessário a programas e recursos compensatórios.

A manifestação de Romeu Zema faz sentido apenas em não fazer nenhum sentido, pois reside aí o “Falso Inteligente”. As distorções são menos por intenção, ainda que obtusa, do que obnubilação. Ok. Talvez um pouco dos dois, com predomínio do segundo. 

Ouvindo especialistas em tributos e técnicos do governo de São Paulo, chega-se à conclusão de que não, a reforma não impõe sacrifícios tão grandes. Fosse assim, Tarcísio de Freitas não a abraçaria. Se num primeiro momento, eventualmente, percam, a verdade é que esses estados tendem a recuperar arrecadação com a potencialização do crescimento econômico.

O então candidato a governador por São Paulo, Tarciso de Freitas (E), o ex-presidente brasileiro e candidato à reeleição Jair Bolsonaro (C) e o governador de Minas Gerais Romeu Zema (D) participam de um comício de campanha em São Paulo, em 20 de outubro de 2022. Foto: Nelson Almeida/AFP
O então candidato a governador por São Paulo, Tarciso de Freitas (E), o ex-presidente brasileiro e candidato à reeleição Jair Bolsonaro (C) e o governador de Minas Gerais Romeu Zema (D) participam de um comício de campanha em São Paulo, em 20 de outubro de 2022. Foto: Nelson Almeida/AFP

Potencialização da inteligência falsa

O mais nocivo das declarações do governador Zema não está no conteúdo, mas na manipulação potencial do “Falso Inteligente”; na ativação de espectro político que alia má-fé e ignorância à disposição para o conflito. Pessoas com essa natureza buscam “autoridades” para escorar sandices e preconceitos. Como a mentira, eles crescem e criam pernas, formam escola. 

Preconceitos alimentam discursos políticos difíceis de contornar porque não lidam com dados, registros históricos ou argumentos de bom senso. Apenas com verdades próprias e disposição para escaramuças e golpes. Dividem o país e ganham força eleitoral. 

Força limitada, é verdade, pois ao dividir o território político coloca um muro diante de si. Como ir além do próprio gueto? Mesmo assim, nas bifurcações dos descaminhos do Brasil, personagens como Romeu Zema se viabilizam como monumentos de constrangimento a Minas e ao Brasil.

Carlos Melo, cientista político. Professor Sênior Fellow do Insper

 

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