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Reforma ministerial: mudanças no vetor do poder

Políticos são treinados para sentir cheiros de mudança. No caso dos políticos do Centrão, esse faro é ainda mais aguçado, posto que é dessa habilidade que sobrevivem

Carlos Melo, para Headline Ideias
#POLÍTICA20 de jul. de 239 min de leitura
Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, realiza reunião ministerial no dia 15 de junho de 2023. Foto: Ricardo Stuckert/Presidência da República
Carlos Melo, para Headline Ideias20 de jul. de 239 min de leitura

Verdade que, até agosto, o tempo é mais ou menos de água parada. Parlamentares de férias, não há votação. Logo, a agitação está vários tons abaixo do normal. Mas a primeira novidade é que o país voltou a ter esse tempo: recesso de crises e conflitos entre poderes, boas águas paradas. As notícias limitam-se às contínuas escaramuças de bolsonaristas contra a democracia e às articulações de bastidores: o Centrão, após dar – veja só! –, quer receber novos ministérios. 

A segunda novidade é que há também aí uma mudança. Agora, o Centrão não mais exige pagamento adiantado. Permite até parcelar, sem ter exatamente a certeza de que receberá tudo o que espera: a Saúde e o Desenvolvimento Social, por exemplo. O apoio é caro. Já foi maior e, agora, não é vendido com pagamento adiantado ou à vista.

O estilo blasé e falsamente desinteressado de alguns dos mais importantes líderes do Centrão foi abandonado. Os sorrisos são vívidos e oferecidos, já há quem “faça o L”. O agrupamento indica querer fazer parte do governo, integrar-se de uma vez por todas ao “projeto” – não importa qual. Uma disposição renovada.

O que se quer é a sociedade, e, ao contrário dos tempos de Jair Bolsonaro, mesmo que minoritária já seria sinal importante. Até o silêncio de Ciro Nogueira indica isso: a adesão, antes que seja tarde ou tarde demais.

Ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha deu a letra: “tirando a Saúde, tudo está em aberto”. Mas, até as samambaias dos arredores da Praça dos Três Podres sabem que, além da Saúde, “ninguém tasca” a área econômica e, talvez, o Desenvolvimento Social, por conter o emblemático “Bolsa Família”. Seria, antes, um recado para PT e ministros de que alguma coisa vai mudar.

Já mudou. O agente de mudança e o método parecem ser outros. 

Na semana que passou, respondendo à imprensa questões a respeito dos ministérios dos sonhos de consumo do Centrão, o presidente insinuou estar em vias de recolocar as coisas em seus lugares: “não são os partidos que pedem ministérios, é o presidente quem oferece”. Será uma mudança importante: o vetor do poder pode ter-se alterado. 

O que explica isso? 

Como tudo, nada pode ser compreendido por uma única causa. No caso, são várias as causas ou pelo menos inúmeras as coincidências. 

Arthur Lira, é inegável, operou um processo tão importante quanto valoroso para o governo: a reforma tributária. Contudo, paradoxalmente, seu olhar está menos elevado; seu discurso está mais moderado; e sua postura, humilde. 

Não seria para menos: o bravo guerreiro, presidente da Câmara, se viu envolvido com processos no Supremo Tribunal Federal, com a Polícia Federal ao seu redor, com manifestações da Procuradoria-Geral da República; investigações contra ex-funcionários de extrema confiança, o envolvimento de um filho, denúncias de ex-esposa.

Um inferno astral – o aniversário de Lira foi no final de junho – em que tantas e desgastantes frentes de conflito pessoal o fizeram decidir resolvê-las ao mesmo tempo em que deu um freio aos mais ousados ímpetos de poder. Pode isso tudo ter servido como freio de arrumação, até que o ministro do Supremo, Gilmar Mendes, resolvesse cuidar pessoalmente do enredo que o envolve. O fato é que Lira já não é – pelo menos por ora – o problema que já representou.

Mas, não foi apenas Lira. Também a situação econômica geral do país contribui para essa possível mudança no vetor do poder. Sorte ou não, alinhamento dos astros ou não, o fato é que o ambiente econômico tem melhorado: a queda do dólar aprecia o real, a inflação é contida. Os olhares mais críticos abandonaram Lula e se voltaram ao Banco Central. 

Arcabouço Fiscal e reforma tributária encaminhados, Fernando Haddad tornou-se o mais novo amigo de infância do mercado – e de fato o ministro tem tido um desempenho surpreendente: está mais seguro e, ao mesmo tempo, mais receptivo. O BC que se explique. E, ao final, fogo de morro acima, água de morro abaixo e mercado quando quer aderir ao governo tornam-se forças incontíveis. 

Ao mesmo tempo, o presidente da República tem se ajudado: falando menos, protege-se de si próprio e de um esquerdismo de outono, provavelmente readquirido nos dias de dureza, em Curitiba. Tentando corrigir erros grosseiros, recupera o prestígio internacional, relustra a própria imagem. Em paralelo, o “índice picanha de preços” é diariamente saudado pelo marketing das redes sociais lulistas.

São bons os ventos, o clima para Lula melhorou bastante. Aos poucos, as pesquisas o demonstram: “A confiança dos brasileiros no presidente da República subiu ao maior nível desde 2012, segundo mostra o Índice de Confiança Social (ICS), série anual de pesquisas presenciais feitas desde 2009 pelo Ibope e mantida com a mesma metodologia pelo Ipec. (...) o chefe do Executivo federal marca hoje 50 pontos em uma escala de zero (nenhuma confiança) a cem (muita confiança). O número de agora é nove pontos superior ao que foi registrado em 2022, último ano da gestão Bolsonaro” (O Globo, Pulso 18/07/2023).

Nada é mais forte... 

Disse certa vez Victor Hugo que “nada é mais poderoso que uma ideia cujo momento chegou”. Ao que, referindo-se a Napoleão Bonaparte, o historiador Paul Johnson completou: “...e ninguém é mais forte que o homem que compreendeu a ideia cujo momento chegou”. Para o bem e para o mal, Lula não é Napoleão e seu governo não está repleto de ideias. Tampouco parece compreender o tempo. Mesmo assim, o raciocínio pode ser adaptado. 

No Brasil, nada é mais poderoso que um presidente cuja popularidade chegou ou está em vias de chegar. 

Isso ainda não aconteceu. Mas, políticos são treinados para sentir cheiros de mudança. No caso dos políticos do Centrão, esse faro é ainda mais aguçado, posto que é dessa habilidade que sobrevivem. Antecipando-se a esses momentos, podem negociar de modo mais favorável com suas presas. 

Se Saúde, Desenvolvimento Social ou Esportes não mais são sonhos possíveis, a mira se volta para estatais, autarquias, segundos e terceiros escalões, aceleração da liberação de emendas. Baixam-se expectativas e preços, mas não o modo de operar esse tipo de política. Nesse momento, o alvo estaria nas costas da diretoria da Caixa Econômica Federal. Não é a Saúde. Mesmo assim, nada desprezível. 

A diferença é que o novo vetor de poder consegue definir, agora, quais são os alvos. O presidente é obrigado a negociar, evidentemente. Contudo, pode fazê-lo sob termos mais adequados aos seus interesses. Bem menos pressionado, o campo de opções se alarga. De modo que a tentativa do Centrão em promover uma “bolsonarização sem bolsonarismo” do governo de Lula, se distancia no espelho retrovisor do tempo.

Análise política é assim...

Drummond disse a si mesmo: “Carlos, sossegue, o amor é isso que você está vendo: hoje beija, amanhã não beija, depois de amanhã é domingo e segunda-feira ninguém sabe o que será. Inútil resistir”. A assim como o amor de Drummond, a política é dinâmica. E, igualmente, ninguém sabe o que virá. Se é que virá. 

A referência metafórica ao poeta de Minas Gerais é de melhor qualidade que o velho clichê atribuído a outro mineiro, Magalhães Pinto, que diz que “política é como nuvem”, mudando sempre de lugar. É pelo menos mais poética e aponta a sequência dos dias: “segunda-feira ninguém sabe o que será”.

O fato é que o governo de Lula, que até recentemente estava emparedado, parece recuperar o vigor e a iniciativa necessários. O próprio presidente, tão experiente, falava demais. Cometia erros crassos. Agora, comedido, se preserva. As gafes são apenas ocasionais. Diante de boas notícias de outras áreas, elas se dissipam. Nas nuvens de Magalhães Pinto e no esquecimento do noticiário de ontem.

O governo começou mal. Mas, parece se recuperar. Ultimamente, “beija hoje” e amanhã beija também. São as primeiras medidas aparecendo? Apenas de certo modo. Sente-se que houve arrumação mais ampla e geral. Lula é, afinal, um político, antes de tudo, pragmático e sua teimosia, normalmente, resiste apenas até onde não o comprometa irremediavelmente.

É ainda um governo dependente das circunstâncias. E, sim, elas são soberanas e todos dependemos delas. Mas, alguns líderes e alguns governos as dominam. A conhecida metáfora de Maquiavel, afirmando que a Fortuna é como uma égua que se deve dominar pela crina, serve como exemplo ao bom governo. Outros ficam à sua mercê e se deixam levar. Por onde irá Lula?

Numa pura especulação a respeito do futuro, hoje pode-se afirmar que o governo ainda é dependente das projeções do ministro Haddad em relação ao que será arrecadado com a aprovação do arcabouço fiscal e, mais adiante, com as expectativas nascidas com a reforma tributária. Projeções são, no entanto, projeções. A realidade precisará confirmá-las.

Outro dia, escrevi aqui que os caminhos de Lula e Bolsonaro eram dependentes e ambos pareciam “dar passos largos em direção à decadência ou à inviabilização de seus futuros políticos”. Sem compromisso com o erro, ao que parece, estive (bem) errado. Drummond, sempre em meu auxílio, diz: “Carlos ... Não se mate, não se mate, reserve-se todo para as bodas que ninguém sabe quando virão, se é que virão”.

Ok. Mas, projeções não bastam. E nem mesmo futuras confirmações pela realidade bastarão. As condições objetivas da sociedade, da política pedem mais. O país e o mundo carecem de saídas estruturais, projetos de superação não apenas das circunstâncias mais imediatas, como também de uma mudança de Era, com perspectivas mais longas, de olho no futuro mais distante que a “segunda-feira”, de Drummond. 

Sem projetos estruturais profundos e de maior fôlego no tempo e em seus impactos econômicos e sociais, tudo pode se resumir a “voos de galinha”, como dizem os economistas. Também a política baseada apenas em mudanças de humor do Centrão e no sistema de leilão de recursos públicos é precária e pode, mais adiante, colocar o governo nas cordas, novamente. 

“Depois de amanhã é domingo”. Mas a “segunda-feira” e “as bodas” não virão apenas pelas mudanças dos ventos. Algo mais precisa ser feito. Mesmo que não se saiba ao certo o quê, o governo precisa fazê-lo. Tem a faca e o queijo às mãos. Que doce ou que salgado sairão daí?

* Carlos Melo, cientista político. Professor Sênior Fellow do Insper

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